
Foto: Jarbas Araújo
Dois mil e treze está chegando ao fim, completando um ciclo de três
anos consecutivos de estiagem no Semiárido. Apesar das muitas
dificuldades enfrentadas pelas famílias agricultoras da região, a
realidade, no que diz respeito ao acesso à alimentação e à renda, é bem
diferente, se comparada ao cenário de vinte anos atrás, quando ocorria a
ocupação da Sudene, no Recife, – uma manifestação que reuniu milhares
de lideranças sindicais do Nordeste, com o intuito de pressionar o então
presidente da república, Itamar Franco, a ouvir as revindicações do
Movimento por políticas públicas para o Semiárido. Essa é uma afirmação
do deputado estadual Manoel Santos que, na época da ocupação da Sudene,
presidia a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de
Pernambuco (Fetape). Nesta entrevista, ele relembra as questões que
inquietaram o Movimento Sindical Rural e fizeram com que, pela primeira
vez, o governo federal fosse pressionado a dialogar com os movimentos
sociais. Ele ainda avalia as mudanças que esse marco provocou na
realidade de vida de milhares de famílias agricultoras, vinte anos
depois. Confira!
Nesta estiagem, que mudanças o Senhor identifica como sendo representativas na vida da população do Semiárido?
São muitas. Em décadas passadas, as as famílias agricultoras sem
condições de produção, sem renda e sem ter o que comer, geralmente
seguiam para a cidade, para buscar apoio dos prefeitos. Como não
existiam políticas públicas nessa direção, acabavam saqueando armazéns e
supermercados. Havia muita dor. Hoje, graças a ações como o Programa
Bolsa Famílias, que também completa dez anos, nós registramos a saída de
36 milhões de pessoas da condição de pobreza extrema, ou seja, pessoas
que dormiam sem saber o que iriam comer no dia seguinte. Certamente,
desse montante fazem parte milhares de famílias do Semiárido. Reduzimos
em quase 20% a mortalidade infantil. E nós sabemos que, no Semiárido,
esse é um problema ainda mais grave. Lá, há municípios com taxa de
mortalidade infantil superior à nacional. E tem outras ações como o
Garantia Safra, Bolsa Estiagem, que criaram condições para que as
famílias pudessem conviver com os longos períodos de seca. Isso, há 20
anos, quando ocupamos o prédio da Sudene, no Recife, ainda era um sonho
para todos nós.
O Senhor cita a ocupação do prédio da Sudene. O que representou
essa mobilização para a luta pela cidadania das famílias do Semiárido?
Esse evento foi um marco na luta do Movimento
Sindical Rural por políticas públicas para as famílias do Semiárido. Em
19 de março de 1993, nós caminhávamos, assim como agora, para o terceiro
ano seguido de seca, só que naquele tempo a realidade era bem
diferente. As famílias realizavam saques constantes a supermercados.
Muitas delas, já haviam seguido para outras cidades, outros estados, em
busca emprego e a dor e o desespero eram grandes. A ausência de
iniciativa do poder público só agravava a situação. Foi quando nós – na
época eu era presidente da Fetape – fizemos uma reunião, em Serra
Talhada, com todos os Sindicatos de Trabalhadores Rurais dos Polos do
Sertão. Nessa reunião, decidimos que faríamos uma articulação envolvendo
todas as Federações e sindicatos do Nordeste, pois entendemos que se
tratava de uma questão que afetava todo o Semiárido brasileiro, portanto
apenas o estado de Pernambuco não conseguiria fazer ecoar a dor e o
sofrimento que atingiam a população. Em seguida, contando com a
coordenação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(Contag), fizemos uma reunião com todos os estados do Semiárido, desde
Minas Gerais até o Ceará. Nesse encontro, decidimos por ocupar a Sudene e
só sair de lá quando fossemos atendidos pelo presidente da República.
E como se deu a disputada de forças durante o processo de ocupação?
Bem, nós reunimos cerca de 3 mil pessoas e montamos
acampamento no prédio da Sudene. O superintendente da época, não tinha
respostas para nós, mas nós seguimos ocupando o prédio, até que
conseguíssemos uma agenda com o presidente. Enquanto travávamos uma
queda de braço com o governo, vários representantes se somaram a nossa
mobilização, deputados estaduais e federais, prefeitos e até Dom Helder
Câmara chegou ao local, solidário com a nossa luta. Passou-se o dia
inteiro, a tensão aumentava, até que, à noite, o superintende nos
procurou dizendo que o presidente nos receberia junto com uma comissão,
em Brasília, se nós desocupássemos o prédio. Dessa forma, nós seguimos
para a Brasília, naquela mesma noite, em um avião cedido pelo governo
federal. No dia seguinte, já estávamos negociando com o presidente
Itamar Franco, o ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, e uma
comitiva formada por alguns senadores, deputados e ministros de governo.
O grupo considerou positivos os resultados conquistados com a ocupação?
Sim, com certeza! Nós voltamos com 600 milhões de reais para iniciar
frentes de trabalho em nove estados do Semiárido, atingindo cerca de
dois milhões de pessoas. Esses resultados foram se multiplicando em
outros recursos, até que chegamos ao total de 2 bilhões de reais
investidos em ações voltadas para o atendimento às vitimas da seca. Além
do mais, eu considero que a nossa ousadia e força política também foram
fundamentais para essa grande conquista. Havíamos aprovado, há poucos
anos, a nova Constituição Cidadã e o Movimento dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais fez jus a essa nova realidade, de democracia e luta
por direitos com essa ocupação, que forçou a escuta por parte do
governo federal às vozes do Movimento Sindical.
Em sua opinião, que contribuições a ocupação da Sudene trouxe para a
realidade vivenciada hoje, não apenas pelas famílias do Semiárido?
Com o passar do tempo, a sociedade foi tendo uma consciência, cada
vez maior, da importância de eleger representantes comprometidos com as
pessoas menos visibilizadas, a exemplo das famílias do Semiárido, dos
negros, do que vivem nas periferias. Essa consciência desembocou na
eleição do ex-presidente Lula e, em seguida, da presidenta Dilma
Rousseff. A partir de então, as políticas voltadas para essa parcela,
antes esquecidas pelos governos, passaram a existir independente de
catástrofes, de secas e enchentes, mas, simplesmente, pela necessidade
de se garantir cidadania. Se estabeleceu uma dinâmica de diálogo
constante com os movimentos sociais e não apenas por força dos protestos
e manifestações. As políticas voltadas para o campo, que já estavam
escritas no Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e
Solidário (PADRSS) receberam notoriedade e investimentos desses
governos, sobretudo com a criação do Pronaf, que recebeu um investimento
de 5 bilhões de reais, no primeiro ano do governo Lula e neste, que é
terceiro ano do governo Dilma Roussef, de 21 bilhões de reais. Sem
contar que as facilidades no acesso às linhas de crédito também
aumentaram. As famílias passaram a dispor de quatro modalidades de
contratação no Pronaf B e de desconto de 25%, no momento da quitação das
prestações. Essas mudanças melhoraram a vida daquelas pessoas que nunca
tiveram acesso a créditos e a investimentos na pequena produção. Como
se vê, a ocupação da Sudene, há 20 anos, foi um divisor de águas na vida
das famílias do campo
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